Por Flávia Fernandes
Crianças brasileiras estão aprendendo a desabafar com robôs. A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2025, realizada entre março e setembro de 2025, revela que uma em cada dez já recorre à inteligência artificial para conversar sobre sentimentos e problemas pessoais. O dado parece pequeno, mas carrega uma mudança silenciosa no modo como novas gerações aprendem a sentir, pedir ajuda e se relacionar.
A IA, que nasceu para automatizar tarefas, começa a ocupar o espaço do acolhimento. Em vez de buscar o olhar de um amigo ou a escuta de um adulto, jovens de 9 a 17 anos estão trocando experiências com softwares treinados para responder de forma empática. O dado mais inquietante é que o grupo mais ativo nesse tipo de conversa é formado por pré-adolescentes de 13 e 14 anos, justamente a fase em que se aprende o que é intimidade e como lidar com a própria vulnerabilidade.
O fenômeno cresce nas classes A e B, onde o acesso às ferramentas digitais é maior. Essa desigualdade tecnológica cria um novo tipo de abismo social. Se antes a exclusão era de quem não tinha internet, agora a diferença pode estar em quem tem um interlocutor artificial à disposição para ouvir desabafos e oferecer respostas emocionalmente calibradas.
A mesma pesquisa mostra que o celular domina o cotidiano de 96% das crianças e adolescentes conectados. Ele é o portal para a escola, para o lazer e para a confissão. A restrição do uso de celulares nas escolas, determinada pela Lei Federal Nº 15.100/2025, sancionada em janeiro, diminuiu o acesso em ambiente pedagógico, mas não reduziu o tempo de exposição. O afastamento das telas no espaço físico da educação apenas reforça o uso solitário nos quartos, nas ruas e nas madrugadas.
Falar com uma IA sobre emoções não é, por si só, um problema. Pode ser um alívio em tempos de famílias ausentes e redes sociais cada vez mais hostis. O risco está em acreditar que uma resposta programada substitui o afeto humano. A máquina entende padrões, mas não sente dor, nem culpa, nem amor, mesmo assim, começa a ocupar o lugar simbólico de quem escuta.
Essa geração está crescendo em diálogo com sistemas artificiais, enquanto o país ainda enfrenta falhas estruturais no acesso à educação. O novo desafio é formar crianças capazes de reconhecer a diferença entre empatia humana e respostas programadas. Sem esse preparo, o risco é construir uma sociedade emocionalmente dependente de tecnologias que compreendem nossas palavras, mas não nossas emoções.

Sobre a autora: Flávia Fernandes é jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), professora de língua inglesa, com licenciatura pela Universidade de Uberaba (Uniube), é especialista em inteligência artificial pela PUC Minas e Faculdade Exame. Apaixonada por comunicação e inovação, investiga as conexões entre tecnologia, sociedade e cotidiano.
