sábado, 15 de março de 2025 / 12:07
InícioEducaçãoEscaneamento de Íris e o Preço da Privacidade

banner topo matérias 728x90px

Escaneamento de Íris e o Preço da Privacidade

banner topo matérias 728x90px 2

Como a suspensão do Worldcoin no Brasil expõe riscos globais da exploração de dados biométricos

Por Flávia Fernandes 

A recente decisão da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) de suspender a coleta de dados biométricos pela rede World, projeto ligado ao fundador da OpenAI, Sam Altman, reacendeu um importante debate sobre privacidade, consentimento e a ética na exploração de dados sensíveis. A iniciativa, que prometia criptomoedas em troca do escaneamento de íris, foi interrompida no Brasil sob a alegação de que a oferta de pagamento compromete a livre manifestação do consentimento, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. A medida da ANPD não é apenas uma resposta local, mas parte de um movimento global que questiona os limites da coleta de dados biométricos e os riscos associados à criação de uma identidade digital universal.

O projeto Worldcoin, que integra a iniciativa Tools for Humanity, propõe uma visão ambiciosa: criar uma identidade digital global por meio do escaneamento de íris. A promessa de inclusão e inovação, no entanto, esbarra em questões éticas e legais. A ANPD destacou que a oferta de pagamento por dados biométricos pode distorcer o consentimento, especialmente em um país como o Brasil, marcado por profundas desigualdades sociais. Quando indivíduos são incentivados a ceder informações sensíveis em troca de compensação financeira, sem plena compreensão das consequências, o princípio do consentimento livre e informado é fragilizado.

A ANPD também levantou preocupações sobre a falta de transparência do projeto e a ausência de uma base legal clara para justificar o tratamento de dados tão sensíveis. A irreversibilidade da coleta de dados biométricos, como o escaneamento de íris, agrava ainda mais os riscos. Uma vez coletados, esses dados não podem ser excluídos ou alterados, o que coloca os titulares em uma posição de vulnerabilidade permanente. Além disso, a finalidade comercial global associada às informações coletadas levanta dúvidas sobre como esses dados serão utilizados e compartilhados no futuro.

A rede World afirmou estar em conformidade com as leis brasileiras e destacou que está em contato com a ANPD para resolver a situação. A polêmica não se limita ao Brasil. Em países como Quênia, Alemanha e França, o projeto também enfrentou resistência. No Quênia, as operações foram suspensas devido a preocupações com a coleta de dados sem regulamentação clara e o impacto na privacidade dos cidadãos. Na Alemanha, as autoridades iniciaram investigações para avaliar se o projeto atende às rigorosas normas do Regulamento Geral de Proteção de Dados. Na França, a Comissão Nacional de Informática e Liberdades questionou a proporcionalidade da coleta de dados biométricos e o uso posterior dessas informações.

Esses casos internacionais revelam um padrão de resistência ao projeto, que, apesar de sua proposta inovadora, enfrenta obstáculos significativos devido à falta de clareza regulatória e ao impacto potencial em dados sensíveis. A ideia de uma identidade digital global pode parecer atraente em um mundo cada vez mais conectado, mas a forma como ela está sendo implementada pelo Worldcoin levanta questões éticas e legais que não podem ser ignoradas.

A suspensão no Brasil serve como um alerta sobre os riscos de projetos que buscam coletar dados biométricos em larga escala, especialmente quando envolvem compensação financeira. Em um contexto de desigualdades sociais e econômicas, a oferta de pagamento pode se tornar uma forma de exploração, em que indivíduos são levados a ceder informações sensíveis sem plena consciência dos riscos envolvidos. A proteção de dados pessoais, especialmente os biométricos, deve ser tratada com extrema cautela, garantindo que os direitos dos titulares sejam respeitados e que o consentimento seja verdadeiramente livre e informado.

Enquanto o Worldcoin busca resolver as questões levantadas pela ANPD e outros órgãos reguladores ao redor do mundo, é fundamental que a sociedade continue a debater os limites éticos e legais da coleta de dados biométricos. A privacidade é um direito fundamental e iniciativas que a colocam em risco devem ser rigorosamente avaliadas e regulamentadas. A suspensão no Brasil não é apenas uma medida de proteção, mas um chamado para que a inovação tecnológica seja guiada por princípios éticos e pelo respeito aos direitos humanos.

SOBRE A AUTORA

Flávia Fernandes é jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), professora de língua inglesa e especialista em inteligência artificial pela PUC Minas e Faculdade Exame. Apaixonada por comunicação e inovação, investiga as conexões entre tecnologia, sociedade e o cotidiano.

banner lateral 300x300px 2

banner lateral 300x300px 2

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

banner lateral 300x300px 3