Por Flávia Fernandes
Os algoritmos que controlam bancos, documentos e redes sociais aprenderam a ver rostos. O problema é que só enxergam o que foi ensinado a eles e o que foi ensinado, quase sempre, exclui quem foge da norma.
Pessoas com cicatrizes, deformações, marcas de nascença ou assimetrias estão sendo rejeitadas por sistemas de reconhecimento facial que deveriam facilitar a vida e não humilhá-las. Em vez de abrir portas digitais, esses filtros eletrônicos as empurram para fora.
A Face Equality International estima que mais de 100 milhões de pessoas no mundo vivem com condições que alteram o rosto. Para elas, a inteligência artificial virou sinônimo de constrangimento. A cada selfie rejeitada por um banco ou órgão público, uma ferida simbólica se aprofunda. É a exclusão digital com rosto humano e com cicatrizes que a tecnologia se recusa a ver.
O motivo está nos dados que alimentam a IA. Treinados com imagens de rostos simétricos e sem marcas, os algoritmos reconhecem apenas o que se parece com o padrão. Quem não cabe nesse molde é apagado. Não há erro técnico, há preconceito embutido na base de código.
Pesquisadores como Kathleen Bogart da Universidade Estadual do Oregon alertam que essa cegueira tecnológica não é acidente. É consequência da ausência de diversidade nas equipes que constroem esses sistemas. Quando só um tipo de rosto é considerado referência, os outros desaparecem do mapa digital.
A solução não depende apenas de melhorar a precisão das máquinas. Exige incluir rostos reais com todas as suas diferenças na formação dos algoritmos. Enquanto isso não acontece, o futuro vai continuar sendo controlado por softwares que escolhem quem tem direito a ser reconhecido.
O reconhecimento facial se tornou o novo porteiro do mundo digital. Ele abre a porta para uns e fecha na cara de outros. A pergunta que resta é simples e perturbadora: quem ensinou a máquina a decidir quem tem rosto?

Sobre a autora: Flávia Fernandes é jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), professora de língua inglesa e especialista em inteligência artificial pela PUC Minas e Faculdade Exame. Apaixonada por comunicação e inovação, investiga as conexões entre tecnologia, sociedade e o cotidiano.
